A Democracia Eleitoral no Brasil
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2ª edição
Jacob (J.) Lumier
Entre República e Monarquia:
A Democracia Eleitoral no Brasil
2ª edição
© Jacob (J.) Lumier
ISBN….
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Editado por Bubok Publishing
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Alguns direitos reservados
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Ficha catalográfica
Entre República e Monarquia:
A Democracia Eleitoral no Brasil
Ensaio de Sociologia do voto obrigatório.
Lumier, Jacob (J.) [1948]
2ªedição
Editado por Bubok Publishing
Apresentação, sumário, bibliografia, Notas.
Outubro 2019, 155 págs.
Revisão de português: Maria Fernanda R. M. da Luz
Produção de e-book:
Websitio Leituras do Século XX – PLSV:
Literatura Digital http://www.leiturasjlumierautor.pro.br
1.Sociologia e Política – 2.História
- Título.
©2019 by Jacob (J.) Lumier
Alguns Direitos Reservados
Entre República e Monarquia:
A Democracia Eleitoral no Brasil
Ensaio de Sociologia do voto obrigatório
2ª edição
Por
Jacob (J.) Lumier
Autor de obras de sociologia
Rio de Janeiro, Outubro2019.
A Democracia Eleitoral no Brasil – 2ª edição
Jacob (J.) Lumier
Epígrafe
1) A instituição do voto obrigatório com sanções legais é obstáculo ao aperfeiçoamento de um regime democrático, e deve ser criticado. A lei é incapaz de “forçar” alguém a ser livre, somente serve de garantia para a liberdade que protege.
***
2) A projeção de uma instância especial para outorgar a capacidade representacional aos indivíduos, já em posse de seu registro civil, como acontece em um regime eleitoral de voto obrigatório “forçado”, implica, necessariamente, uma desqualificação da forma republicana.
Palavras chave:
Absenteísmo, análise, aspiração, cidadania, convenções internacionais, democracia, desenvolvimento, direitos humanos, educação, eleitor, Estado, história, liberdade, monarquia, obediência, partido, república, sociedade, voto.
A Democracia Eleitoral no Brasil- 2ªedição
Jacob (J.) Lumier
Sumário
Desvio de finalidade e atitude persecutória.. 15
Desenvolvimento e Democracia.. 19
1) Aspiração democrática comprovada.. 21
3) Educação para a cidadania.. 24
1.1) Democracia social e voto.. 29
1.2) Dualidade no estudo do eleitor.. 31
A Revogação do Eleitor faltoso… 33
Axiomática e normas sociais.. 38
Meios de comunicação e acomodação.. 41
Oligarquização e Cidadania Tutelada 47
1) A democracia eleitoral como valor. 57
4) Conformismo e Impotência. 62
8) O interesse do estudo sociológico. 73
9) O voto obrigatório é diferenciado. 73
10) Produzir tendência para as políticas públicas. 75
A nostalgia do regime monárquico… 78
A obediência social como norma.. 78
O Discurso draconiano e a obediência como valor 79
Globalização Neoliberal e Mentalidade Mercatória 90
A Obrigatoriedade do voto.. 94
Relação dos Códigos Eleitorais. 98
O imbróglio do voto obrigatório. 111
O silêncio sobre os fundamentos do voto facultativo no Artigo 21 da UDHR 111
Tutela imerecida sobre a cidadania. 116
A Obrigatoriedade Constrangedora.. 120
O sentimento de impotência. 120
Agravamento do desconforto. 124
Anexo 03- PEC nº28 de 2008. 126
Anexo 04: Artigo 21 da UDHR. 129
………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………. 131
O parecer de análise sociológica. 131
Forma republicana e capacidade representacional. 137
Perfil do Autor Jacob (J.) Lumier.. 142
A Democracia Eleitoral no Brasil – 2ª edição
Jacob (J.) Lumier
Apresentação
Identificado com a atuação das Nações Unidas em favor da educação para a cidadania, o presente ensaio de sociologia adere à causa da Declaração Universal dos Direitos Humanos e das Convenções Internacionais que preconizam o voto livre e sem restrições ideológicas. A primeira edição digital do mesmo tem data em fevereiro de 2014, leva o título de “A Democracia Eleitoral no Brasil”, e atendeu exigência de articular as informações reunidas em postagens e artigos, divulgados na internet pelo autor, desde fins de 2007, no marco de sua atividade como sociólogo.
Entretanto, o projeto veio crescendo em interesse a partir de 2015, quando o autor tomou conhecimento de que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas decidiu estabelecer um fórum sobre Direitos Humanos, Democracia e Estado De Direito. Delineou-se uma oportunidade de situar seu trabalho de sociologia para além das fronteiras, e ultrapassar as eventuais restrições de um discurso político sobre seu país.
Com efeito, em seu compromisso de identificar e analisar as melhores práticas, desafios e oportunidades para os Estados membros, em seus respectivos esforços para assegurar o respeito aos direitos humanos, democracia e o Estado de direito, o objetivo do Fórum consistiu em fornecer uma plataforma para promover o diálogo e a cooperação em questões referentes à relação entre essas áreas [i].
Situado nesse quadro de referência, o presente livro, em sua segunda edição, desenvolve a elaboração do autor motivado pela compreensão de que, hoje em dia, não se justifica uma burocracia para controle dos eleitores. Basta levar em conta que, recentemente, em janeiro de 2012, o Chile mostrou ao mundo que, no âmbito da República, é possível superar o voto obrigatório e passar ao voto facultativo irrestrito, e, isto para além de qualquer burocratização.
Neste sentido, o presente livro assevera que o conceito de desenvolvimento político só é válido tendo por quadro de referência a história parlamentar, especialmente a reciprocidade em torno das legislaturas, contemplando os reclamos da participação cidadã. Em consequência, predomina a compreensão de que, ao eleitorado, corresponde, de modo justo, a aspiração para exercer a parte que lhe cabe no compromisso com a sustentação de um regime democrático, e que esse compromisso não é exclusividade dos seus representantes, nas casas parlamentares, como acontece atualmente mediante a imposição do voto obrigatório forçado e a submissão do ideal democrático à representação de interesses.
Setembro 2019
Jacob (J.) Lumier
Movimiento Internacional de los Derechos Humanos
Preliminares
Quase todos os países que fazem respeitar as leis onde o voto é obrigatório impõem multas. Alguns embaraçam publicamente os eleitores que não votam ou vão até recusar-lhes os serviços e os benefícios de programas governamentais.
(Projecto Red de conocimientos electorales ACE) http://aceproject.org/main/espanol/es/esc07a.htm?set_language=es
As democracias que se aperfeiçoam praticam o voto livre ou, pelo menos, o voto não-obrigatório. Podem, também, proclamar o dever cívico de votar, mas não com penalizações aos que se abstêm de comparecer às urnas.
Por sua vez, o regime de voto obrigatório com sanções, ou voto “forçado”, é um obstáculo ao aperfeiçoamento de um regime democrático e deve ser criticado. Os poucos países que o praticam só alcançam legitimidade quando tomam por base, unicamente, a disposição da lei para recusar aos não votantes os serviços e os benefícios de programas governamentais e políticas públicas.
Desvio de finalidade e atitude persecutória
Acontece que essa disposição coercitiva, mas, supostamente formativa, dá lugar a um reservatório de desvios de finalidade na democracia eleitoral. Daí verificarem, em certas repúblicas federativas como o Brasil, nítida extrapolação de competência em relação à lei que estabelece punições aos eleitores faltosos. Ao invés de classificar as sanções com respeito aos direitos civis e políticos protegidos pela Convenção Internacional de 1966 (ICCPR) [ii], o regime proíbe aos eleitores faltosos praticar qualquer ato para o qual se exija a quitação do serviço militar ou do imposto de renda. Quer dizer, o eleitor faltoso é concebido e tratado como “nocivo” à segurança do país.
A lei eleitoral, nesse aspecto das disposições supostamente corretivas, é inteiramente desprovida de visão formativa. O eleitor que não comparece para votar é indevidamente equiparado a um desertor e a um sonegador.
Ao invés de corretiva, incentivo constringente a votar, trata-se de uma visão persecutória e punitiva nitidamente prejudicial e hostil aos direitos civis e políticos que o país proclama reconhecer ao firmar as convenções internacionais (ICCPR, 1966) [iii].
A lei do voto obrigatório (“forçado”), no Brasil, recusa aos que não votam, muito mais do que os serviços e os benefícios de programas governamentais e políticas públicas, aos limites dos quais, todavia, deveria acoplar seu elenco de sanções, para preservar a especificidade de uma democracia eleitoral.
Além de cercearem sua cidadania, restringem sua nacionalidade, pois não são, unicamente, os serviços de programas governamentais que lhes são cerceados aos que não votam, mas os próprios serviços básicos que o Estado presta à cidadania são restringidos.
Assim, dentre outras, o indivíduo eleitor não votante é exposto às seguintes penas legais: impedimento para integrar os serviços públicos ou subvencionados; impedimento aos empresários para concorrências públicas; impedimento aos trabalhadores para obter empréstimos ou financiamentos da Caixa Econômica; impedimento aos cidadãos brasileiros para obter passaporte ou carteira de identidade; para renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial; praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou declaração do imposto de renda, (cf. Art.7 da lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965).
Desta forma, com essas disposições severas, os eleitores são coletivamente tutelados pelos governantes contra a abstenção, pretensamente “protegidos” contra a sua suposta incapacidade política.
Em face de tal situação que restringe a participação e proclama os eleitores como incapazes, pergunta-se: será que o compromisso com a sustentação de um regime democrático deve depender exclusivamente do desempenho satisfatório dos representantes? Como acontece atualmente mediante a imposição do voto obrigatório forçado?
Do ponto de vista da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR, 1966), da qual o Brasil é signatário, deve ser objeto de crítica o pensamento e atitude persecutórios e punitivos por parte da autoridade legal que, ao invés de revalorizar os direitos civis e políticos internacionalmente protegidos, extrapola sua competência e os rebaixa de seu âmbito, como acontece no país.
É essa crítica que o autor faz, no presente ensaio de sociologia, no qual partilha a compreensão de que, incluindo os direitos civis, políticos, sociais, culturais, econômicos, o respeito da legislação internacional sobre direitos humanos é indispensável para consolidar uma consciência de políticas públicas já, constitucionalmente, projetada.
Finalmente, deve-se notar que o texto selecionado deste trabalho resulta do reaproveitamento e atualização da série de artigos sobre o estudo sociológico do eleitorado na democracia, que o autor vem publicando na Internet, desde 2008.
A divisão do texto em tópicos numerados indica o caráter aberto da presente obra, concebida para fomentar o debate sociológico, em conformidade com o alcance crítico da matéria.
Rio de Janeiro,10 de setembro de 2019.
O autor Jacob (J.) Lumier
A Democracia Eleitoral no Brasil- 2ª edição
Jacob (J.) Lumier
Introdução:
Desenvolvimento e Democracia
O regime democrático ajusta-se pela competitividade dos partidos políticos e a circulação dos grupos nas posições de mando. Desde o ponto de vista da comunidade internacional de desenvolvimento, isto compreende as duas características que definem a democracia, seguintes: (a) a renovação periódica dos mandatos dos líderes por meio de eleições competitivas; (b) a afirmação de um conjunto de direitos básicos de expressão e organização que facilitam o exercício das opções políticas.
Todavia, não basta que os países sejam democráticos: a substância ou a qualidade de suas democracias é igualmente importante.
Sob o aspecto do desenvolvimento, a democracia oferece a possibilidade de tornar mais efetiva a cidadania, favorecendo a participação na formulação das políticas de governo, e oportunidades para verificar os custos dos serviços públicos, além de maior transparência e a resolução dos interesses contenciosos, através dos meios constitucionais e não-violentos.
Dentre os fatores democráticos, que concorrem para a maior coerência e eficácia das políticas públicas, inclui-se o regime do voto, cabendo ao eleitor, por suas escolhas, configurar uma tendência para as políticas públicas. Daí a indispensabilidade do voto facultativo para o aperfeiçoamento das democracias que ainda não conseguiram ultrapassar o voto obrigatório (como, por exemplo: Brasil, Argentina, Peru). Neste sentido, é válida a luta contra a abusiva imposição de penalizações cominadas sobre o eleitor votante nos regimes de voto obrigatório – notando-se o caso do Brasil. Tanto mais que o voto livre é uma aspiração democrática comprovada.
Mas não é tudo. No esforço coletivo em favor da mudança para o voto facultativo nos países da América Latina, a luta pela supressão da abusiva imposição de penalizações cominadas sobre o eleitor votante é uma atitude que atende à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, a qual preconiza a votação livre como direito fundamental do homem (cf. Artigo 21). Vê-se, claramente, que a imposição daquela cominação, em razão de um suposto absenteísmo, ou por qualquer que seja a razão, segrega, na melhor das hipóteses, uma contradição do desenvolvimento, tanto em face da liberdade de voto quanto de sua garantia, haja vista que o eleitor obrigado a votar o faz não por motivação política, mas por obediência [iv].
1) Aspiração democrática comprovada
Para quem ainda acha que, sob o voto facultativo, os eleitores deixariam de votar, cabe lembrar uma pesquisa publicada em 16 de outubro de 2007, então comentada em um blog do Observatório da Imprensa. Nota-se ali a preferência da maioria absoluta dos entrevistados (59%) pelo voto facultativo. O destaque é o seguinte: “O montante de pessoas favoráveis ao voto facultativo, praticamente igual ao daqueles que iriam votar, se não fosse obrigatório, é inversamente proporcional ao interesse dos políticos em discutir o assunto. […] O apoio ao voto facultativo aparece de forma espontânea, sem que existam campanhas a respeito, nem um único político levantando a voz para a discussão”.
Quer dizer, (1) – existe uma aspiração, há algum tempo comprovada em números, para que o voto facultativo seja adotado na Democracia brasileira; (2) – a maioria dos eleitores é favorável ao voto facultativo; (3) – as pessoas favoráveis ao voto facultativo votariam se não fosse obrigatório; (4) – dado que a corrente pelo voto facultativo expande-se independentemente dos representantes políticos, cabe reconhecer que o problema do voto obrigatório é diferenciado e seu estudo não se reduz ao sistema de representação de interesses. Aliás, alguns cientistas políticos chamam a atenção para a relevância em analisar diferenciadamente a relação entre o comparecimento eleitoral e o grau de compromisso dos cidadãos com a sustentação de um regime democrático. Será que esse compromisso deve depender exclusivamente do desempenho satisfatório dos representantes? Como acontece atualmente mediante a imposição do voto obrigatório forçado? [v]
2) Efeito de Liberdade
Cada vez mais se afirma a percepção de que o voto obrigatório traz mal-estar. Até mesmo os estudos sobre desenvolvimento político, desde o ano 2000, já incluíram, dentre seus critérios, o mal-estar causado pela obrigatoriedade do voto. De fato, podem ler em um artigo especializado, elaborado com base em pesquisa de opinião pública, a ponderação que atribui ao “efeito de liberdade” a razão da suposta apatia entre a população, em geral [vi].
Toma-se um ambiente hipotético sem obrigatoriedade de voto e se confrontam as respostas que declaram não votar na suposição de voto voluntário [vii]. A conjectura compreende, nessas atitudes contrárias ao livre comparecimento, que os sujeitos podem estar informando, em algum nível, seu “mal-estar” com a obrigatoriedade do voto, e não sua indiferença quanto aos resultados políticos.
Quer dizer, os indivíduos pesquisados preferem retomar plenamente sua liberdade pelo não comparecimento, mesmo diante do voto voluntário. Uma vez que, mudado o modelo e sendo declarada, tal atitude repele a indiferença do “não sei” (para o quesito “você votaria no regime de voto facultativo”?), trata-se, então, por exclusão, de um indicador preciso do mal-estar com o voto obrigatório.
Essa conjectura nutre-se na projeção do caso chamado do “analfabeto participativo”, lembrando que se trata de uma categoria que não está sujeita a obrigatoriedade do alistamento eleitoral nem do voto. Assim, os que se incomodaram em retirar o título de eleitor são tidos como mais motivados comparados ao restante da população registrada. Daí a classificação de analfabetos especialmente participativos. A retirada da obrigatoriedade torna a ação mais atrativa, e os pesquisados “liberados” podem expressar uma disposição maior em engajar-se na atividade do que aqueles que estão sob obrigatoriedade.
A inclusão da variável mal-estar foi, então, contemplada diante da seguinte constatação: Se os não escolarizados são especialmente participativos devido a seu sentimento positivo quanto ao voto (obrigatório, mas adotado por motivação), a aplicação na pesquisa do novo modelo conjectural de comparecimento voluntário deveria mostrar um maior efeito positivo para a educação ou para os mais escolarizados.
Como tal alternativa esperada não se verificou, os pesquisadores admitiram que nenhuma outra variável explicativa completava melhor que a experiência do mal-estar com o voto obrigatório. Ou seja, o “efeito de liberdade” alterou significativamente o comparecimento voluntário.
3) Educação para a cidadania
O indivíduo que se registra deveria participar de um programa de capacitação do eleitor
Na situação atual de sua participação, o jovem faz seu registro eleitoral em uma conduta burocrática, e permanece “largado” como estava antes. A adoção do voto livre deve ser encaminhada como um procedimento que mudará tal situação no Brasil. Dar-se-á ao jovem a oportunidade de perceber sua participação na história eleitoral mediante simples capacitação que transformará a conduta burocrática em ato jurídico político. A obtenção do registro deve valer como uma “passagem” dos círculos familiares e psicológicos para o ambiente mais complexo da cidadania, cumprindo a exigência republicana histórica de educação e de instrução do eleitor novato.
Desta forma, além de ser obrigado, unicamente, a se alistar na justa idade e a votar pela 1ª vez, o jovem teria, como condição para receber e entrar em posse de seu registro, ser obrigado a comparecer e a participar, por algumas horas, de encontros para ler e comentar uma apostila com instrução sobre o voto [livre], sobre as eleições e o papel do eleitor no funcionamento do regime democrático representativo e sua importância para as políticas públicas.
A instância controladora não precisaria aumentar custos para alcançar essa finalidade. Bastaria reaproveitar os recursos disponíveis, nos cartórios eleitorais, que se encarregariam da execução desse programa de capacitação.
Muitos acham que assumir a causa da Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Convenções Internacionais que preconizam o voto livre, e a causa das Nações Unidas em favor da educação para a cidadania não são motivos suficientes para a mudança do regime eleitoral e adoção do voto livre. Reclamam que seria necessário um motivo político mais forte para isso que, evidentemente, além das “Diretas já” (1983/84), não existe, haja vista o desvio (papel moderante) de que provém o voto “forçado” [viii].
Isto significa que a democracia no Brasil é menos do que imperfeita, é restritiva. Como disse o Presidente Obama, dos Estados Unidos da América, O Brasil é um país onde “uma ditadura virou democracia“ [ix]. Isto porque a formação das maiorias não depende do voto dos eleitores, em qualquer nível que seja, não há nem eleições prévias nas bases locais e regionais para escolher os candidatos nas eleições majoritárias – prefeitos, governadores, presidente. As cúpulas partidárias ratificam, em convenções, os nomes de suas escolhas e fazem as alianças por cima, frequentemente duplicadas em alternativas, para que os eleitores escolham entre o que está previamente definido.
Em face dessa característica restritiva, o argumento que atribui valor educativo para a cidadania, no voto obrigatório, revela-se falacioso. Coloca-se o eleitorado à margem do processo de formação de maiorias para, no final, convocá-lo, obrigá-lo a votar em alternativas impostas e a consagrar uma maioria previamente arranjada. Em consequência, prejudicado para exercer sua memória de seu voto, a única experiência e aprendizado do eleitor é despolitizada e não democrática, é a obediência à obrigação de comparecer que lhe é imposta. Daí democracia restritiva, dando razão aos que dizem que o Brasil é um país onde “uma ditadura virou democracia”.
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A Democracia Eleitoral no Brasil- 2ªedição
Jacob (J.) Lumier
Tópico 01:
1.1) Democracia social e voto
É uma falácia lançar argumentos negativos sobre a ligação entre o regime do voto facultativo, na sociedade capitalista, e a participação dos setores mais privilegiados.
Ao que se sabe, só nas situações de crise do capitalismo, combinada a um forte movimento social trabalhista, sindical e socialista é que a participação voluntária das classes subalternas, nas eleições, revela-se majoritária, como na Venezuela.
As classes subalternas estão inseridas no mundo do trabalho onde o mais significativo é votar nas eleições sindicais e participar nas associações de defesa das condições de vida e dos direitos sociais (moradia, saneamento, educação, oportunidades de emprego, saúde, participação nos resultados das empresas e nas comissões de fábricas, seguridade, etc).
Do ponto de vista histórico, as classes inseridas no mundo do trabalho têm vocação coletivista, e sua participação, nas eleições da vida parlamentar, pode aumentar com a democracia social, mas não é certo que isto aconteça, afinal, a história parlamentar sofre a poderosa incidência dos modelos e dos interesses da classe burguesa e suas frações [x]. As classes subalternas são mais participativas na medida em que o mundo do trabalho é mais valorizado.
O acima mencionado argumento contrário ao voto facultativo, em sua falácia, tem base na ideologia populista que confunde a valorização do mundo do trabalho com a crença de que as classes subalternas devem depender da “boa vontade” dos altos cargos do regime.
Daí o cálculo de que a obrigatoriedade do voto levaria à maior participação das camadas de baixa renda que, por sua vez, depositariam seus votos naqueles supostamente dotados de “boa vontade”.
O problema do voto facultativo é específico à condição diferencial de eleitor, e deve ser objeto de reflexão nos termos de cidadania e aperfeiçoamento democrático, com a defesa dos direitos civis e humanos.
1.2) Dualidade no estudo do eleitor
Há dualidade no estudo dos eleitores. Por um lado, em nível jurídico-político, os eleitores são compreendidos em relação ao sistema de representação, e o mais usual é tratá-los de maneira funcionalista: simples função de certo modelo de representação.
Todavia, no plano jurídico-político, a condição de que os eleitores são cidadãos, portanto ligados ao compromisso com a sustentabilidade de um regime democrático, pode ser posta em relevo, permitindo situá-los de um ponto de vista não restritivo, ampliar a visão de sua ligação aos representantes políticos sem os subordinar, e relativizar os limites de certo modelo de representação.
Por outro lado, no plano propriamente sociológico, quando se busca configurar o perfil dos eleitores na realidade social, o mais comum é reduzi-los às camadas de nível de vida da população em que se classificam, isto é, às classes de renda “A”, “B”, “C” ou “D”, por exemplo.
Seja por um lado ou por outro, se nota quão pouco é usual analisar a condição do eleitor a partir do que é essencial e irredutível em sua realidade social, a saber: a sua afirmação como votante, no instante do ato que o diferencia de qualquer outra situação social.
De fato, antes de qualquer objetivação em uma função de certo modelo de representação, mais ou menos cristalizado, os eleitores são reconhecidos no momento em que se apresentam para votar, pouco importando, igualmente, se um é mais rico do que o outro ou vice-versa!
Para o sociólogo, há uma realidade específica e diferencial dos eleitores que constitui um problema de investigação sociológica por si só, no caso, matéria de microssociologia [xi], que não deve ser confundida em relação a qualquer outra dimensão das estruturas sociais, sobretudo, não deve ser reduzida a esquemas prévios baseados em teorias de estratificação social.
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A Democracia Eleitoral no Brasil- 2ªedição
Jacob (J.) Lumier
Tópico 02
A Revogação do Eleitor faltoso
Se o dever cívico do voto deve excluir qualquer sanção administrativa sobre o eleitor já confirmado, decorre que a solução passa por uma Ação revogatória da figura jurídico-política do “eleitor faltoso”, antes de passar por um Plebiscito.
A extinção da figura do eleitor faltoso não exige a adoção do voto facultativo. Importa nesse caso que, antes de qualquer debate jurídico-político sobre o regime do voto, os eleitores, no ato de votar, não mais estejam confrontados à figura daquele outro punido que não compareceu, já que essa situação torna restritivo o ato e prejudicado o voto.
Neste ponto, surge a questão de saber a que obstáculos deve-se atribuir o não-encaminhamento da solução possível visualizada. Ou seja, deixando de lado a crosta do stablishment e a inércia dos aparelhos burocráticos, ambos não negligenciáveis como entraves nos modelos cristalizados, pergunta-se: o que falta para que seja proposta e tenha curso a possível iniciativa em prol de revogar a esdrúxula figura do eleitor faltoso, malgrado as iniciativas existentes em favor do voto facultativo?
Trata-se, é claro, do problema das relações entre os partidos políticos e os eleitores no Brasil.
Primeiro:
Concepção reducente
Em nível ideológico, os obstáculos decorrem da concepção reducente das relações entre os partidos e os eleitores, tidos por limitados ao conflito dos grupos de interesses como quadros da teoria de coação, promovida esta última em amplas ambiências intelectuais, a partir da obra do sociólogo Ralf Dahrendorf [xii].
Em consequência, toda a possível iniciativa para revogar a figura do eleitor faltoso vem a ser previamente subordinada à suposta determinação de uma discursiva dialética do mando e da resistência [xiii]. Desta forma, mesmo antes de ser proposta, tal ação revogatória passa a ser vista, ou como imposição dos mais fortes ou como astúcia dos que almejam as posições de mando, tornando-se uma iniciativa bloqueada, não em seu princípio nem em sua possibilidade, mas em sua viabilização mesma.
Com efeito, na concepção reducente, posto que dotadas de soberania, são as posições nas hierarquias de prestígio e autoridade que permitem aos seus ocupantes exercer o mando: os homens que as ocupam estabelecem a lei para seus súditos, com o aspecto mais importante do mando, sendo o controle das medidas de coação, a capacidade de garantir conformidade à lei.
Dessa noção reducente de mando e sanções dever-se-ia concluir o seguinte: (1) – sempre haveria resistência às posições de mando (cuja eficiência e legitimidade são tidas precárias); (2) – o grupo dos que ocupam as posições de mando seria o grupo mais forte, e (3) – a sociedade se manteria unida pelo exercício de sua força, isto é, pela coação. É a suposta “solução hobbesiana para o problema hobbesiano da ordem”, acontecendo que, nessa teoria, a mudança nas estruturas torna-se reduzida ao advento da estratificação social, uma circulação de posições nas hierarquias de prestígio e autoridade.
Filosofia social
Afirma-se o enfoque dogmático da filosofia social, referida ao falso problema da “origem das desigualdades entre os homens”.
Nos antípodas do realismo sociológico em sua visão de conjuntos, a teoria de coação distancia-se da compreensão positiva da sociedade como macrocosmos de agrupamentos e formas de sociabilidade em vias de integração relativa.
No âmbito do funcionalismo em ciências sociais, e tendo criado uma alternativa, aparentemente menos confusa do que as alentadas elucubrações de Talcott Parsons, a teoria de coação alcançou ampla influência internacional com sua aplicação da concepção conjectural das teorias científicas desenvolvidas por filósofos da ciência como Karl Popper [xiv].
Muito marcada pelo trauma histórico do século XX, a teoria de coação propôs-se exatamente verificar um mistificado modelo de conflito na vida das sociedades industriais, pelo qual o mesmo adquire uma dimensão de entidade maléfica, supra moral.
Para esta finalidade mistificada, Ralf Dahrendorf desenvolveu uma reflexão orientada para a filosofia social e centrada na exagerada separação da análise estrutural e da análise histórica: a primeira, seria baseada na análise de papéis sociais e interesses dos papéis, sendo assim, largamente formal; enquanto que a outra, como análise histórica, trataria de grupos reais e seus objetivos reais, sendo consequentemente substantiva e não formal (op.cit.p.170).
Na sequência, o conceito de igualdade é tido de modo a tornar-se o impulso dinâmico que serve para manter as estruturas sociais vivas (ib.p.202), da mesma maneira em que a estratificação é examinada em teoria como uma consequência da estrutura do “poder” (ib.p.197).
No mistificado “modelo de conflito” projetado por Ralf Dahrendorf, a força das sanções “produz” a distinção entre aquele que viola as leis e aqueles que conseguem não entrar nunca em conflito com qualquer norma jurídica (ib.p.194).
Vale dizer, se no realismo sociológico prevalece a ideia de justiça como tentativa de realizar a reconciliação prévia, mostra-se procedente a objeção dos sociólogos realistas como Georges Gurvitch, contra o uso da filosofia social no âmbito da sociologia [xv].
Basta assinalar que, devido ao seu vínculo à filosofia social, na teoria de coação o tema da realização da justiça é abordado por fora da sociologia do Direito e da metodologia inspirada na dialética empírica sociológica.
Tal proceder externalista reduz a justiça à força, pelo que retorna às proposições do mecanicismo do século XVIII, seguinte: “deve haver coação para garantir um mínimo vital possível de coerência” (ib.pág.149). Vale dizer, Ralf Dahrendorf não leva em consideração de eficácia o embargo procedente do ponto de vista da análise e experimentação, que se coloca ante a pergunta da filosofia social, a saber: como a sociedade é possível?
Em acordo com sua própria impugnação, para a questão de saber “como a sociedade é possível” não é necessária resposta alguma. Isto em razão de que, no dizer acertado desse autor, dificilmente alguma resposta poderia ser comprovada (ib.p.155).
Axiomática e normas sociais
Mas não é tudo. Mesmo admitindo, como seguidor de Hobbes, que a mudança nas estruturas e instituições tem uma dimensão microscópica (ib.p.148), e malgrado seu posicionamento, Ralf Dahrendorf nos deixa ver com clareza, que, por estar amarrada a preocupações “axiomáticas” sobre “a grande força” que supostamente acarreta a mudança, a filosofia social inviabiliza o aprofundamento da microssociologia (ver Notas) e, por esta via, abisma a própria teoria sociológica.
Vale dizer, o conflito social dos grupos de interesse deixa de ser um aspecto contingente da realidade social para se tornar supra moral, isto é “a grande força” mistificada do discurso axiomático. Daí a contradição da filosofia social ao propor que a consciência dos problemas não é apenas um meio de evitar a deformação da realidade por uma preconcepção (“viés ideológico”), mas, é sobretudo uma condição indispensável do progresso em qualquer disciplina da investigação humana (ib.p.144). Contradição porque a busca de uma axiomática a que serve a filosofia social é dogmatismo – no sentido em que se fala de dogmas jurídicos e dogmas religiosos – e, como sabe a sociologia realista e dialética, por prescindir de análise e crítica, o dogmatismo exclui o progresso científico!
O posicionamento hobbesiano de Ralf Dahrendorf não implica uma metamoral tradicional, mas, antes disso, é uma posição supra moral, ainda que a ideia absolutista de um Estado acima de qualquer compromisso moral possa ter sua procedência nas metamorais tradicionais, de Platão, Aristóteles, Spinoza, Hegel, onde um mundo espiritual supratemporal e absoluto se realiza no mundo temporal. Sem embargo, a orientação de Ralf Dahrendorf para um Estado absolutista é um posicionamento de origem ético-religioso, é supra moral e, como sabem, não implicado na filosofia da história.
Toda a preocupação da filosofia social em sua abordagem externalizada, projetada para fora, busca, no dizer de Ralf Dahrendorf, estabelecer um imaginário elo perdido entre a sanção do comportamento individual e a desigualdade das posições sociais (ib.p.193), elo perdido este que, em suas preconcepções, a filosofia social encontra como contido na noção filosófica de “norma social”, a saber: “as expectativas de papéis seriam apenas normas sociais concretizadas” ou “instituições”.
De mais a mais, diz que é útil reduzir a estratificação social à existência de normas sociais reforçadas por sanções, já que essa explicação teorética ou formalista demonstraria a “natureza derivativa” dos problemas da desigualdade (ib.p.196).
Por sua vez, essa derivação teria a vantagem de reconduzir a certos pressupostos de valor – tais como a existência de normas e a necessidade de sanções – que na filosofia social de Ralf Dahrendorf “podem ser considerados como pressupostos axiomáticos”, isto é, para o nosso espanto, dispensariam uma análise maior! (ib.p.196).
Finalmente, Ralf Dahrendorf revela que, menos de uma análise sociológica, seu propósito fora ideológico e tivera, em vista, justificar o posicionamento da filosofia social que se projeta desde Thomas Hobbes e o atomismo social, a saber: porque há normas e porque as medidas de coação seriam supostamente necessárias para impor conformidade à conduta humana (diferenciação avaliadora), tem que haver desigualdade de classes entre os homens (ibidem).
Em suma, não se deve buscar contribuição válida alguma na chamada teoria de coação para esclarecer a mudança social efetiva, tanto mais que, nessa teoria, a variabilidade das estratificações sociais é deixada excluída de toda a consideração, tornando sem valor ou sem aplicação metodológica alguma, a discussão de “universais sociológicos”, neste posicionamento, preferido por Ralf Dahrendorf.
Meios de comunicação e acomodação
Segundo:
Mas, não é somente em nível ideológico que a possível iniciativa em prol de revogar por Decreto a exótica figura do eleitor faltoso vem a ser refreada.
Ademais daqueles que bloqueiam a viabilização, há também os obstáculos decorrentes do caráter cultural da vida política em um país sob este aspecto subdesenvolvido ou periférico, onde a vontade política, nas relações com os eleitores, mostra-se vinculada aos estados coletivos de acomodação e à cultura de massa.
Vale dizer, nos países periféricos como o Brasil, nota-se que o caráter social das relações com os eleitores ultrapassa os partidos políticos, devido ao distanciamento social que os alcança.
Excetuando o voto personalista com sua clientela costumeira e o dos grupos de interesse bem organizados, sobressai, então, o papel dos meios de comunicação (promovendo a identificação das legendas e dos candidatos com as políticas públicas, etc.) que, devido à ampliação dos públicos políticos que formam e aglutinam em torno das questões públicas, absorvem as relações sociais deixadas vagas entre os partidos e os eleitores, as quais são restritas ao voto em legendas, isto é, às relações de representação que, dada a diluição da memória do voto (à exceção das ONGs, associações e entidades de classe), só acontecem, efetivamente, no momento da escolha ao votar [xvi].
As pessoas que irão votar, homens e mulheres desempenhando os mais diversos papéis sociais, participando nos mais diversos círculos de relações e já expostos à cultura de massa, em decorrência do fato daquele vazio nas relações com os partidos políticos, mostram ampla disponibilidade para as mensagens dos meios de comunicação, tornados a principal referência das eleições.
Até aqui nada há de estranho. Acontece que, em consonância com o regime de voto obrigatório que dispensa a motivação política do eleitor, e em contraste com democracias desenvolvidas como os Estados Unidos, os meios de comunicação preservam-se de expressar uma tomada de posição explícita nas eleições, em prol de tal ou qual legenda ou coligação. Há uma acomodação ao regime do voto obrigatório exercida no vazio das relações entre os partidos políticos e os eleitores.
Daí o obstáculo que surge nas ambiências do voto para os mandatos parlamentares e cargos majoritários: a acomodação social ao voto obrigatório e o reforço desta acomodação pelos meios de comunicação.
As pessoas que vão votar e, objetivamente, estariam interessadas em refletir para chegar a uma compreensão, mais elevada, do seu papel político como eleitores e votantes nas eleições são largadas ao estado de acomodação coletiva, sem dispor de exemplos, em escala, que valorizem a tomada de posição política, muito menos, exemplos críticos do modelo restritivo e que se oponham ao regime de voto obrigatório com penalizações.
Em suma, a iniciativa possível de revogar a figura do eleitor faltoso encontra forte obstáculo na ausência de apoio dos meios de comunicação, como instâncias imprescindíveis para a promoção do voto facultativo irrestrito no Brasil.
Costume republicano local
Quem fala de cidadania visualiza, inclusive, a maior responsabilização dos partidos políticos, posto que as relações entre os partidos políticos e os eleitores, na cultura do subdesenvolvimento, encontram-se pré-judiciadas, enquanto não for ultrapassado o controle cartorial e suprimida a recorrente punição exagerada aos eleitores faltosos.
Desta forma, o aperfeiçoamento moral da vida política (a mudança para um modelo de responsabilização política dos partidos passa por uma atitude moral) enseja um problema crítico, com alcance sociológico sobre a consciência coletiva, a saber: como ultrapassar o costume republicano local de convocar os eleitores a votar nas eleições, não para expressar seu próprio compromisso com a sustentação de um regime democrático, como deveria ser, mas, votar ,unicamente ,para empoderar as alternativas já estabelecidas antes de qualquer maioria sufragada. Ou seja, como superar o papel moderante, em face do contencioso recorrente dos grupos em luta pelos altos cargos [xvii].
Tal é o desafio da implantação do voto facultativo para todos. Tanto mais difícil quanto o mencionado costume republicano local projeta-se como a característica impar do elitismo à direita e à esquerda, na cultura do subdesenvolvimento, a inviabilizar a transformação das legendas em partidos políticos, com responsabilização política plena no controle do sistema representativo, em lugar da burocracia que invalida os registros eleitorais.
Problema de consciência coletiva porque, em razão do retardo na adoção do voto facultativo e mediante a tecnificação das votações, o costume republicano local (papel moderante do voto obrigatório) acoplou-se a um componente da estrutura tecnoburocrática, enquadrando as próprias lideranças em um amplo grupo de interesses (a tecnoburocracia) com forte capacidade de pressão sobre a vida parlamentar, em tempos de TICs (tecnologias da informação e comunicação).
A Democracia Eleitoral no Brasil- 2ªedição
Jacob (J.) Lumier
Tópico 03:
Oligarquização e Cidadania Tutelada
A Hierarquia Parlamentar
[i] The World Conference on Human Rights, on 25 June 1993, a célebre Declaração de Viena, assinala a indispensabilidade da Democracia para a implementação dos Direitos Humanos:
Item 08) “La democracia, el desarrollo y el respeto de los derechos humanos y las libertades fundamentales son interdependientes y se refuerzan mutuamente” (…)
[ii] A democracia eleitoral está notavelmente expressada no Art.25 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR- 1966), que compreende as eleições como genuínas lá onde é garantida livre expressão da vontade dos eleitores sem restrições irracionáveis de qualquer espécie. Anteriormente, já o Artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos preceituara a votação livre (free voting procedures).
[iii] O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. Logo, é um pacto de amplitude mundial. Entrou em vigor em 1976, quando foi atingido o número mínimo de adesões (35 Estados). O Congresso Brasileiro aprovou-o através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, depositando a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas em 24 de janeiro de 1992, entrando em vigor em 24 de abril do mesmo ano. Desde então, o Brasil tornou-se responsável pela implementação e proteção dos direitos fundamentais previstos no Pacto.
[iv] Há muitos eleitores faltosos que protestam contra a sobreposição de sanções sobre sanções para a mesma falta: multa, impedimento para os serviços públicos ou subvencionados, impedimento aos empresários para concorrências públicas, impedimento aos trabalhadores para obter empréstimos ou financiamentos da Caixa Econômica, impedimento aos cidadãos brasileiros para obter passaporte ou carteira de identidade; para renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial; etc. Uma barbaridade que se impõe desde do Código Eleitoral contra a cidadania.
[v] Leia o artigo “Mídia ignora o melhor de uma pesquisa“, postado por Luiz Weis no blog “Verbo Solto“, junto ao Website do Observatório da Imprensa, em 16/10/2007.
[vi] Cf. “Quem iria votar? Conhecendo as consequências do voto obrigatório no Brasil”, Zachary Elkins, Departament of Political Science University of California, Berkeley; Opin. Publica vol.6 no.1 Campinas Apr. 2000
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-62762000000100005&script=sci_arttext
[vii] Salvo indicação em contrário, os termos voto livre, voto facultativo e voto voluntário são aqui tratados como equivalentes (free voting). Na realidade, são condições que comportam certas nuances. No Voto livre, em rigor, não há obrigação em cumprir com antecedência o alistamento prévio, muito menos comparecer na cabine de votação. Mas, se o cidadão pretende votar ele deve se habilitar. O voto facultativo é uma opção colocada para o cidadão como eleitor, ou seja, ele deve ter o registro eleitoral para exercer essa opção, a qual, via de regra, é correlacionada a uma situação da pessoa, geralmente a idade, como os idosos ou os adolescentes. O voto facultativo sem restrições corresponde ao voto voluntário, que é, simplesmente, o voto não obrigatório, mas o cidadão deve dispor de seu registro eleitoral prévio. Nesse regime de voto facultativo sem restrições, da mesma maneira em que desaparece a exótica figura do eleitor faltoso, o absenteísmo deixa de existir, seja como conceito, seja como conduta, já que não há obrigação de votar nem é exigida justificação alguma para o não comparecimento. Prevalece a liberdade política.
[viii] Na verdade, o motivo político para o voto livre existe sim e data de 1983/84 com a grande mobilização do eleitorado na histórica campanha das Diretas Já, marco fundamental da Abertura Democrática. Aliás, o voto livre ou voto facultativo sem restrições deveria ter sido instituído nos anos 80/90, houve projetos no Congresso Nacional que sustentaram essa mudança.
[ix] “Brasil, um país que mostra que uma ditadura pode se tornar uma vibrante democracia” (Frase muito elogiada do Presidente Obama em pronunciamento no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 21 de Março de 2011, amplamente divulgada nas Mídias). Ou seja, no âmbito das relações internacionais, não se reconhece ainda que o Brasil seja uma democracia que tenha aberto seu espaço para-além de uma ditadura.
[x] O termo classe burguesa se refere ao conjunto social concentrado no âmbito do sistema financeiro e da acumulação do capital para o capital.
[xi] O pluralismo social efetivo, estudado como dinâmica característica dos elementos microssociais, não se deixa confundir aos posicionamentos pseudopluralistas, no plano das técnicas políticas, elaboradas pelos adeptos das chamadas teorias de coação, que favorecem a tecnoburocracia e não são democráticas nem orientadas para os direitos humanos. Em microssociologia, estudam-se as relações com outrem por afastamento, as relações mistas e as relações por aproximação. As relações com outrem são observadas (a) – como as relações variáveis que se manifestam entre os Nós-outros, entre os grupos, entre as classes, entre as sociedades globais; (b) – como as relações que, em acréscimo, variam com a oposição entre sociabilidade ativa e sociabilidade passiva, sem todavia deixar de manter sua eficácia de conjuntos ou de quadros sociais, já que são os componentes não-históricos ou anestruturais fundamentais na estruturação dos grupos. Deste ponto de vista, em cada unidade coletiva real se encontram os Nós-outros e as relações com outrem de maneira espontânea, que são utilizadas pelas unidades coletivas para se estruturarem na medida em que o grupal e o global imprimem a sua racionalidade histórica e a ligação estrutural a essas manifestações microscópicas da vida social.
[xii] Dahrendorf, Ralf (1929 – 2009): “Ensaios de Teoria da Sociedade”, Zahar – Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), Rio de Janeiro 1974, 335 pp. (, Stanford, EUA, 1968).
[xiii] Ralf Dahrendorf fala em “poder”, mas utilizo aquí o termo mais preciso “mando”, cujo alcance descritivo é bem mais operante, tem lastro na sociología dos costumes políticos (o mandonismo) e exclui a mistificação ideológica dos grupos em luta pelos altos cargos.
[xiv] Popper, Karl: “A Lógica da Pesquisa Científica”, traduzida da edição alemã de 1973, por L. Hegenberg e O. Silveira da Mota, São Paulo, Cultrix / EDUSP, 1975, 567 pp. (1ª ed. em Alemão: Viena, 1934).
[xv] Gurvitch, Georges (1894-1965) et al.: “Tratado de Sociologia – vol.1e vol.2″, revisão: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964 e 1968, (1ªedição em Francês: Paris, PUF, 1957 e 1960).
[xvi] Devido a sua articulação personalista em torno da figura particular e pessoal do seu representante, o clientelismo costumeiro forma bolsões sem alcance para cobrir a amplitude das relações sociais partido / eleitor, em escala do conjunto do eleitorado. Daí falar-se de que tais relações são deixadas vazias de conteúdo, tanto mais que inexiste qualquer rede de capacitação dos eleitores, no sentido acima referido.
[xvii] Na estrutura de classes, as relações em torno do Estado, como aparelho organizado e bloco de localidades, é muito deteriorada por contenciosos. Os documentos internacionais sobre direitos humanos chamam atenção para o fato de que a segurança dos direitos civis e políticos prevalece, de modo imperativo, sobre os contenciosos. As facções em luta pelos altos cargos devem reconhecer esse fato e devem moderar a si próprias ao invés de impor esquemas manipuladores sobre os eleitores para perpetuar os contenciosos sem minimizá-los.
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